O Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento a um Recurso
Extraordinário (RE) 598099 em que o Estado do Mato Grosso do Sul
questiona a obrigação da administração pública em nomear candidatos
aprovados dentro no número de vagas oferecidas no edital do concurso
público. A decisão ocorreu por unanimidade dos votos.
O tema teve repercussão geral reconhecida tendo em vista que a
relevância jurídica e econômica da matéria está relacionada ao aumento
da despesa pública. No RE se discute se o candidato aprovado em concurso
público possui direito subjetivo à nomeação ou apenas expectativa de
direito.
O estado sustentava violação aos artigos 5º, inciso LXIX, e 37, caput
e inciso IV, da Constituição Federal, por entender que não há qualquer
direito líquido e certo à nomeação dos aprovados, devido a uma
equivocada interpretação sistemática constitucional. Alegava que tais
normas têm o objetivo de preservar a autonomia da administração pública,
“conferindo–lhe margem de discricionariedade para aferir a real
necessidade de nomeação de candidatos aprovados em concurso público”.
Boa-fé da administração
O relator, ministro Gilmar Mendes, considerou que a administração
pública está vinculada ao número de vagas previstas no edital. “Entendo
que o dever de boa-fé da administração pública exige o respeito
incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas
no concurso público”, disse o ministro, ao ressaltar que tal fato
decorre do “necessário e incondicional respeito à segurança jurídica”. O
STF, conforme o relator, tem afirmado em vários casos que o tema da
segurança jurídica é “pedra angular do Estado de Direito, sob a forma da
proteção à confiança”.
O ministro relator afirmou que, quando a administração torna público
um edital de concurso convocando todos os cidadãos a participarem da
seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público,
“ela, impreterivelmente, gera uma expectativa quanto ao seu
comportamento segundo as regras previstas nesse edital”. “Aqueles
cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público
depositam sua confiança no Estado-administrador, que deve atuar de forma
responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da
segurança jurídica como guia de comportamento”, avaliou.
Dessa forma, segundo Mendes, o comportamento da administração no
decorrer do concurso público deve ser pautar pela boa-fé, “tanto no
sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança
nela depositada por todos os cidadãos”.
Direito do aprovado x dever do poder público
De acordo com relator, a administração poderá escolher, dentro do
prazo de validade do concurso, o momento no qual se realizará a
nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, “a qual, de
acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando
aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público”.
Condições ao direito de nomeação
O ministro Gilmar Mendes salientou que o direito à nomeação surge
quando se realizam as condições fáticas e jurídicas. São elas: previsão
em edital de número específico de vagas a serem preenchidas pelos
candidatos aprovados no concurso; realização do certame conforme as
regras do edital; homologação do concurso; e proclamação dos aprovados
dentro do número de vagas previstos no edital em ordem de classificação
por ato inequívoco e público da autoridade administrativa competente.
Conforme Mendes, a acessibilidade aos cargos públicos “constitui um
direito fundamental e expressivo da cidadania”. Ele destacou também que a
existência de um direito à nomeação limita a discricionariedade do
poder público quanto à realização e gestão dos concursos públicos.
“Respeitada a ordem de classificação, a discricionariedade da
administração se resume ao momento da nomeação nos limites do prazo de
validade do concurso, disse.
Situações excepcionais
No entanto, o ministro Gilmar Mendes entendeu que devem ser levadas
em conta "situações excepcionalíssimas" que justifiquem soluções
diferenciadas devidamente motivadas de acordo com o interesse público.
“Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem
exigir a recusa da administração de nomear novos servidores, salientou o
relator.
Segundo ele, tais situações devem apresentar as seguintes
características: Superveniência - eventuais fatos ensejadores de uma
situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação
de edital do certame público; Imprevisibilidade - a situação deve ser
determinada por circunstâncias extraordinárias à época da publicação do
edital; Gravidade – os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis
devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva,
dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras
do edital; Crises econômicas de grandes proporções; Guerras; Fenômenos
naturais que causem calamidade pública ou comoção interna; Necessidade –
a administração somente pode adotar tal medida quando não existirem
outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e
imprevisível.
O relator avaliou a importância de que essa recusa de nomear
candidato aprovado dentro do número de vagas seja devidamente motivada
“e, dessa forma, seja passível de controle por parte do Poder
Judiciário”. Mendes também salientou que as vagas previstas em edital já
pressupõem a existência de cargos e a previsão de lei orçamentária,
“razão pela qual a simples alegação de indisponibilidade financeira
desacompanhada de elementos concretos tampouco retira a obrigação da
administração de nomear os candidatos”.
Segundo o ministro Celso de Mello, o julgamento de hoje “é a expressão
deste itinerário jurisprudencial, que reforça, densifica e confere
relevo necessário ao postulado constitucional do concurso público”. Por
sua vez, a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha afirmou não acreditar
“numa democracia que não viva do princípio da confiança do cidadão na
administração”.
Para o ministro Marco Aurélio, “o Estado não pode brincar com
cidadão. O concurso público não é o responsável pelas mazelas do Brasil,
ao contrário, busca-se com o concurso público a lisura, o afastamento
do apadrinhamento, do benefício, considerado o engajamento deste ou
daquele cidadão e o enfoque igualitário, dando-se as mesmas condições
àqueles que se disponham a disputar um cargo”. “Feito o concurso, a
administração pública não pode cruzar os braços e tripudiar o cidadão”,
completou.
Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=186382